DOIS ANOS SEM
DÉCIO
dois anos sem
Décio
Dois anos sem Décio
Dois anos sem Décio
Sem Décio
sem décio
com Décio
DÉCIO
para sempre
org. denizearaujo
DOSSIÊ DÉCIO
Homenagem a Décio Pignatari – DOIS ANOS SEM
DÉCIO
Organizado por Denize Araujo
A morte de Décio Pignatari,
no dia 2 de dezembro de 2012, foi lamentada por muitos pesquisadores, poetas,
discentes, orientandos e pelos que gostam do aspecto poético, crítico e
investigador da cultura internacional.
Décio nos deixou não só seus livros, mas suas palavras, suas aulas, suas
idéias, sua crítica assertiva. Este
Dossiê é uma simples homenagem ao grande pesquisador que nos presenteou com
seus 10 últimos anos de vida.
A você, querido e
inesquecível Décio, dedicamos estes depoimentos e imagens que traduzem nossos
sentimentos e emoções.
Denize Araujo
Depoimentos após 2 de
dezembro de 2012
Depoimento de Denize Araujo, Coordenadora da Pós em Cinema-UTP desde 1997 e do
PPGCom-UTP de 2004 a
2010
A UTP está de
luto com a perda de um de seus mais admiráveis pesquisadores:
Décio Pignatari, que foi docente da Pós em Cinema desde 1999 e do Mestrado
e Doutorado em Comunicação e Linguagens por 10 anos, de 2000 a 2010. Décio
ficará para sempre na lembrança de quem teve a honra de tê-lo como colega,
amigo, orientador ou professor. Seu conhecimento e repertório ficarão na
memória de nossos cursos. Pignatari participou de momentos importantes na
história da UTP, como o projeto do Doutorado do PPGCom, a criação da revista
Interin, a visita de Francis Ford Coppola à Pós em Cinema, a Abertura
da Compós 2007, no MON, entre outros. A melhor homenagem que
podemos prestar ao crítico e criativo Décio Pignatari é
refletir sobre o papel da cultura e da educação acadêmica na contemporaneidade.
Pessoalmente, lamento muito a
morte de Décio Pignatari, que decidiu morar em Curitiba, na frente do MON, seu
lugar favorito e pertencer ao nosso PPGCom. Por 10 anos, tivemos a honra de ter
sua presença irrequieta e irreverente em nossas salas, desafiando os discentes
a pesquisar mais e a discutir as teorias sem aceitá-las passivamente. Seu conhecimento profundo de poesia,
literatura, cinema e artes foi sempre fonte de admiração em sua disciplina na
Pós em Cinema, onde seu nome foi referência.
Em 1999, recebi um telefonema
de Valêncio Xavier me informando que o Décio viria morar em Curitiba e gostaria
de ser docente de nosso programa. Pensando ser mais uma brincadeira de
Valêncio, respondi que eu poderia conversar com o Décio, que realmente ligou na
mesma semana. “Aqui é o Décio”, disse ele, e eu respondi “e aqui é a
Cleópatra!”, pensando estar falando com o Valêncio! Logo percebi ser mesmo o Décio e pedi
desculpas, mas por algum tempo ele me chamou de Cleópatra! Após sua chegada, apresentei-o à Profa. Dra.
Kati Caetano, Coordenadora de nosso Mestrado na época.
Seus aniversários, “petit
comitê” (como ele gostava), eram festejados com o costumeiro “Peixe Vivo”,
sempre regido por ele, o que fizemos em agosto de 2010, em sua última palestra
em nosso programa. Com certeza, seu carisma
ficará na lembrança dos alunos e colegas que tiveram a felicidade de
compartilhar com ele momentos preciosos em palestras, aulas, entrevistas e
conversas informais. Com Décio surgiu a revista de nosso programa, denominada
por ele de Interin, que seria in+ter+in.
Gostaria de deixar aqui
registrada minha gratidão ao Décio Pignatari e aos seus últimos anos de
atividade acadêmica, na Universidade Tuiuti do Paraná, no PPGCom e na Pós em
Cinema.
Depoimento de Fernando Andacht, Docente do PPGCom-UTP desde 2005
Fico muito
triste com essa notícia. Mas, como você, também penso em lugares, momentos,
sensações muito ricas e inesquecíveis compartilhadas com Décio em Curitiba, o
primeiro encontro por causa do renascimento da INTERIN, aquele sonho que ele
teve e que conseguimos fazer realidade.
Nesta hora difícil, é melhor, como disse o Freud, deixar falar os poetas, eles sabem o que é certo de um modo vago e por isso justo para uma hora como esta, quando ficamos um pouco mais sozinhos neste mundo, onde é difícil encontrar amigos como ele. Este é um fragmento do poema "Los dones" de Jorge Luis Borges, "Os presentes" é um bom signo para evocar o presente de ter conhecido alguém como Décio:
um fragmento de LOS DONES, J.L.Borges
....
De los libros que el tiempo ha acumulado
le fueron concedidas unas hojas;
de Elea, una contadas paradojas
que el desgaste del tiempo no ha gastado.
La erquida sangre del amor humano
(la imagen es de un griego) le fue dada
por Aquel cuyo nombre es una espada
y que dicta las letras a la mano.
Otras cosas le dieron y sus nombres:
el cubo, la pirámide, la esfera,
la innumerable arena, la madera
y un cuerpo para andar entre los hombres.
Fue digno del sabor de cada día;
tal es su historia, que es también la mía.
Penso que através da voz da poesia há uma forma de nos encontrar com pessoas queridas como Décio, que vão ficar na nossa vida, nos acompanhando sempre.
um grande abraço,
Fernando Andacht
Nesta hora difícil, é melhor, como disse o Freud, deixar falar os poetas, eles sabem o que é certo de um modo vago e por isso justo para uma hora como esta, quando ficamos um pouco mais sozinhos neste mundo, onde é difícil encontrar amigos como ele. Este é um fragmento do poema "Los dones" de Jorge Luis Borges, "Os presentes" é um bom signo para evocar o presente de ter conhecido alguém como Décio:
um fragmento de LOS DONES, J.L.Borges
....
De los libros que el tiempo ha acumulado
le fueron concedidas unas hojas;
de Elea, una contadas paradojas
que el desgaste del tiempo no ha gastado.
La erquida sangre del amor humano
(la imagen es de un griego) le fue dada
por Aquel cuyo nombre es una espada
y que dicta las letras a la mano.
Otras cosas le dieron y sus nombres:
el cubo, la pirámide, la esfera,
la innumerable arena, la madera
y un cuerpo para andar entre los hombres.
Fue digno del sabor de cada día;
tal es su historia, que es también la mía.
Penso que através da voz da poesia há uma forma de nos encontrar com pessoas queridas como Décio, que vão ficar na nossa vida, nos acompanhando sempre.
um grande abraço,
Fernando Andacht
Meu primeiro contato com o professor Décio Pignatari foi durante meus últimos anos de faculdade, quando o recém criado curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Paraná promoveu uma série de conferências e debates sobre teoria da comunicação e teoria da informação, motivados pelos professores Almir e Marlene Fernandes. Entre os convidados dessas conferências estava o professor Pignatari. No primeiro momento ele me pareceu como “um monge bizantino” dado o rigor com que trabalhava a sua teoria e isto me atraiu muito.
Eu já desenvolvia uma vontade teórica, mas foi nas suas conferências e ao ouvir falar pela primeira vez em Semiótica é que desenvolvi o desejo intenso de penetrar neste universo, completamente novo para mim e que ele era também um dos iniciadores no Brasil. Na época estava sendo lançado pela editora Perspectiva o seu primeiro livro sobre o assunto: Informação. Linguagem e Comunicação, foi quase um “livro de cabeceira” para mim.
A proximidade maior com o professor Décio se deu quando da criação dos cursos de Arte da Universidade Federal do Paraná pelos professores Temístocles Linhares e Adalice Araújo, sendo ele um dos professores fundadores do Curso de Desenho Industrial. Sua amizade com Paulo Leminsky também possibilitou a nossa aproximação.
O seu incentivo nos levou, nos anos
E por fim os contatos maiores pudemos ter no período em que morou em Curitiba; sua amizade com outra grande amiga, a professora Roti Turin, as conversas, os encontros e mesas redondas que participei junto a ele foram sempre enriquecedores mesmo quando discordamos de alguns assuntos, ele sempre era o mestre.
Só posso dizer que a presença do professor Décio Pignatari foi um dos pilares para o meu desenvolvimento intelectual e sempre me considerei devedor a ele daquilo que pude construir até hoje na minha história profissional.
Depoimento de Daniel
Lacerda, Doutor,
orientando de Mestrado de Décio Pignatari, da turma de 2001:
"Fui para a Tuiuti fazer o mestrado em Comunicação e
Linguagens por um único motivo: fiquei sabendo que Décio Pignatari, um dos
poetas cuja linguagem mais decisiva e vitalmente influenciara minha formação
intelectual, estava morando em Curitiba, fazendo a parte do corpo docente do
curso. Custei a crer. Mas, tratei de preparar o projeto e submetê-lo à
apreciação da banca para aprovação, sempre tendo em mente travar contato com
Décio. O projeto: a poética de Augusto de Campos, seu companheiro de poesia
concreta. Ousei, então (com um ímpeto e uma coragem que só agora consigo
avaliar...) propor a Décio que me orientasse. Ele concordou e, por dois anos,
travamos um relacionamento que me foi riquíssimo e que viria a se prolongar em
meu doutoramento na UFPR, onde desenvolvi uma pesquisa sobre o "Don Juan",
de Lord Byron - um dos poemas preferidos de Décio. Em dezembro de 2007,
convidei-o para ser membro da banca de defesa e ele, mais uma vez ,
aceitou.
Guardo, guardarei sempre, de Décio o vigor e a radicalidade de
invenção que permeavam seu obra e seu pensamento, qualidades inestimáveis, e
raríssimas entre nós."
Entrevista com Décio Pignatari
Em seu recente período de estudos na Itália, o poeta-professor-designer-publicitário-crítico-tradutor-romancista-dramaturgo, entre outras coisas, concedeu uma entrevista à Interin. Ela vem aqui apresentada, como parte das comemorações de seus 80 anos, com um pré-texto de Daniel Lacerda e um pós-texto de Denise Guimarães.
Nesse "3D" (obra do acaso mallarmáico?) Daniel, como ex-orientando, homenageia o mestre; Denise, representando nosso corpo docente, integra-se às homenagens ao amigo, com uma leitura do poema TERRA. Sua análise dialoga, por sua vez, com o clipoema “Terra” (apresentado na abertura do 16º. Encontro COMPÓS) de autoria de L. A. Salgado – Doutorando da PUC/SP e Mestre em Comunicação e Linguagens pela UTP.
Os textos se entrecruzam, em um coquetel que mistura palavras, sons e imagens, para brindar Décio Pignatari - desde o início, Professor e Orientador de nosso Mestrado e um “neo-curitibano”, a partir de 1999, o que muito nos honra.
Em seu recente período de estudos na Itália, o poeta-professor-designer-publicitário-crítico-tradutor-romancista-dramaturgo, entre outras coisas, concedeu uma entrevista à Interin. Ela vem aqui apresentada, como parte das comemorações de seus 80 anos, com um pré-texto de Daniel Lacerda e um pós-texto de Denise Guimarães.
Nesse "3D" (obra do acaso mallarmáico?) Daniel, como ex-orientando, homenageia o mestre; Denise, representando nosso corpo docente, integra-se às homenagens ao amigo, com uma leitura do poema TERRA. Sua análise dialoga, por sua vez, com o clipoema “Terra” (apresentado na abertura do 16º. Encontro COMPÓS) de autoria de L. A. Salgado – Doutorando da PUC/SP e Mestre em Comunicação e Linguagens pela UTP.
Os textos se entrecruzam, em um coquetel que mistura palavras, sons e imagens, para brindar Décio Pignatari - desde o início, Professor e Orientador de nosso Mestrado e um “neo-curitibano”, a partir de 1999, o que muito nos honra.
Interin - Seu
projeto de pesquisa atual tem como título “Cibermidia,
cibermassa”. O que você considera como
“cibermassa”?
DP - No século passado - mais especificamente no pós-guerra do
segundo
conflito mundial, quando o processo de
industrialização tomou novo impulso,
começaram a surgir certas “ leis” de
natureza crítico-pragmática, formuladas
com certo revestimento irônico, quem vem
alcançando êxito no universo midcrilt.
Uma delas, que começou a difundir-se no
Brasil há uns vinte anos, é a lei de Murphy, a lei pessimista para o fenômeno
do caso da ocorrência de acasos. Formulando o gracejo, de modo um tanto livre:
se algo de ruim ou mau pode ocorrer numa seqüência de eventos, o lado negativo
tenderá a prevalecer no desfecho. Assim, no caso de queda de uma metade de
laranja, o lado cortado tenderá a dar de cara no chão.
Antes dessa, há meio século, duas
"leis" da mesma natureza difundiram-se
pelo mundo do empresariado, incluindo a
administração pública. São as duas
leis de Parkinson: 1) A despesa tende a esticar-se
até empatar com a receita;
2) O tempo de execução de uma tarefa tende
a esticar-se até preencher o tempo que lhe foi atribuído.
Tais "leis" inauguram o campo de
provérbios da era industrial, em seus vários desdobramentos, desde os seus
inícios, há pouco mais de dois séculos.
Imitando Parkinson e Murphy, venho a
formular a Primeira Lei de
Comunicação Globalizada - a saber: "A
uma cibermassa mercadológica
corresponde uma cibermidia". E
vice-versa: A uma Cibermidia tende a
corresponder uma cibermassa. Ou seja: as
novas tecnologias surgem e se aproximam para atender e suscitar a expansão do
mercado de usuários que,
por sua vez, ciberneticamente, suscitam o
surgimento e a expansão das novas
tecnologias midiáticas.
Interin - Em
sua opinião, quais as vantagens e problemas trazidos pelas
novas tecnologias, considerando
especialmente a Internet e também as
mídias digitais, como a telefonia
celular móvel com sua nova
“maneira/mania” de tirar e enviar fotos?
DP - Devido ao logocentrismo cultural imperante nos cursos de
comunicação
europeus, especialmente os franceses, e
sua grande aceitação nos cursos similares brasileiros, falsos dilemas e
obnubilação de problemas tornam-se aí moeda corrente. Para os logocêntricos,
toda a massificação de signos por processos computacionais digitais é uma
ameaça aos valores culturais... Com isso, parecem esquecer e fazer esquecer
proposições fundamentais da comunicação e da semiótica, tais como: os signos
(incluindo os verbais, obviamente) que também são bens de produção, e consumo;
ou: a palavra “pão” a"Santa Ceia", de Da Vinci, e o " Canto dos
adolescentes", de Stockhausen que são tão virtuais quanto quaisquer
efeitos especiais na telinha ou na telona.
Interin - Em
vários momentos, você já opinou sobre a discussão teórica
entre qualidade versus quantidade, em
termos comunicacionais. Hoje, o
“mais” pode ser “melhor”?
DP - Estamos vivendo uma nova Era da Quantidade, dentro do quadro
evolutivo da industrialização. A chamada
"realidade virtual" é uma
conseqüência lógica dos processos de
reprodutibilidade técnica. Manifestações
qualitativas já despontam e vão continuar
a despontar... em quantidade!
Valores e critérios de valores sofrerão
deslocamentos. Uma grande era do
Design. MASSMEDIA, MEDIAMASS.
Interin - Como
você vê -“ O mercado de signos” na Comunicação do séc.
XXI ?
DP- Enquanto os logocêntricos ficam lamentando a deterioração da
cultura -
verbal, escrita e falada, a British
Library, em Londres, já inaugurou o setor de
Inglês Eletrônico (língua e literatura) e
está registrando e classificando as
mensagens da NET, dos blogs aos e-mails,
passando pelo jornalismo. Recebe
milhares de contribuições, mensalmente.
Esperemos que o Museu da Língua
Portuguesa, em São Paulo, imite o exemplo.
Na França, o jornalismo impresso de alto
nível, como o do Le Monde, é muito
mais ágil do que os cursos de comunicação.
No ano passado, 2006, o fenômeno brasileiro da Surfistinha mereceu destaque nas
imprensas inglesa e francesa. Mas nós ainda não temos massa crítica para
abordar as questões comunicacionais provocadas pela explosão infracional
causada pela globalização - seja nos cursos de comunicação, de sociologia e de
filosofia, seja no jornalismo, seja nos setores responsáveis da Esplanada dos Ministérios.
(Itália, maio de 2007)
Cara Liliana:
Vou responder a algumas de suas instigantes questões,
detendo-me no futuro do Brasil em função da educação e no futuro da educação em
função do Brasil. Exclua-se a idéia de futurologia. Registrem-se as projeções
para posteriores considerações, dentro de mais meio século. Assim sendo:
1 - Como senhor define
ignorância e como lida com ela?
Vou
responder com dois tipos de argumento:
a) Ignorância é uma
carência repertorial de conhecimento. As estatísticas são sempre interessantes
para quem souber ler através dos números. Exemplos: Se 51% dos brasileiros não
concluem o nível médio, temos um cenário catastrófico à frente, quanto ao
desenvolvimento do país. Mas se imaginarmos um paralelo das Tordesilhas que
passe por Belo Horizonte, a situação melhora daí para o sul, o que representa
apenas um quarto, aproximadamente, do que chamamos de Brasil. Dada a geléia
geral da nossa ignorância e da nossa demagogia política, esta é a parte
responsável pela elite pensante e, não por coincidência, a parte economicamente
mais rica do país. Passemos ao futebol. Um espanto: alto nível repertorial,
técnico e inventivo, em todos os quadrantes, com projeção internacional
incontestável. Em termos chomskyanos de competência e desempenho, se passarmos para
o nível do ensino superior, o cenário é desolador: as universidades federais,
tão importantes como projeto e promessa vem se revelando como um buraco negro
do burocratismo educacional, ao sabor de interesses políticos e politiqueiros,
para não falar econômicos. Mas isso nos devidos termos. Cumpre dividir o
sistema com novo paralelo: acima, as biomédicas e exatas; abaixo, as humanas;
no meio-termo cinzento, sociologia, antropologia, psicologia e arquitetura.
Dessa linha para baixo, não se consegue estabelecer critérios e padrões para
níveis de excelência: e esta é a preocupação final e principal, em meu
pensamento pedagógico. Dessa linha para cima, temos resultados satisfatórios e
até excelentes, tanto na área pública como na particular. Destaquem-se medicina,
engenharia, biologia e economia. Á parte, os nichos de excelência da área
militar, especialmente a aeronáutica.
b) Assim como um
medicamento chamado genérico não é genérico, mas específico no que toca o
princípio ativo que preserva, assim uma ignorância em geral de alguém ou grupo
é sempre uma ignorância em situação, uma carência informacional repertorial
ante uma postulação problematizada ou ante a necessidade de um up-grade
cognitivo, o que dá na mesma. Para brincar um pouco, mas a sério, a ignorância
brasileira é de raiz e se abebera nos vocábulos alfabetizar, alfabetização,
analfabeto, que geram em certas áreas acadêmicas expressões idiotas como “O
nosso ilustre homenageado aprendeu as primeiras letras no colégio tal”. Uma
expressão como a inglesa “literacy” já previne contra a proliferação da
ignorância, como a que contaminou diversos setores educacionais jornalísticos e
políticos, ante uma das poucas manifestações de inteligência do nosso poder
educacional ao dar prioridade ao ensino das matemáticas...Continuaremos
ignorantes enquanto não nos conscientizarmos de que o domínio da leitura e da
escritura é know-how básico, tecnologia fundamental e fundante – e não fruto de
demagogias educacionais e políticas, que não se cansam de bondosidades melosas
relativas à cidadania e inclusão social.
2 - Qual sua avaliação e
sua expectativa em relação ao ensino no Brasil?
Em visão “macro” e registro
otimista (mas não nacionaleiro), o patamar de excelência da educação e do
ensino brasileiro ainda está alto demais para ser alcançado em menos de meio
século e de modo razoavelmente uniforme, se nos fiarmos apenas na muito
badalada “vontade política”. Contam mais os estágios alcançados pela
industrialização, a tecnologia e a economia. Como base nestes fundamentos, estamos
vivendo uma fase importante de nosso desenvolvimento histórico, que é o
take-off. Estamos decolando para o patamar dos países avançados, estamos na
linha de frente dos emergentes, juntamente com India, Rússia e China, os Brics
(não por acaso, países de vastos territórios). Como declarou a revista
“Newsweek”, num de seus números do final do ano passado, Brasil is booming.Ou
seja, o Brasil está ficando rico, apresentando importantes pontos positivos e
negativos em relação aos seus parceiros concorrentes. A Índia tem menos da
metade de nosso território, mas a população passa do bilhão; a Rússia tem mais
do que o dobro de chão, e população equivalente; a China tem um milhão de Km2 a
mais do que o Brasil... e mais de 1 bilhão e 300 milhões de habitantes (como
alimentá-los, se já falta de água no país?) E há um imponderável que é um
Grande Ponderável: a liberdade (mas este é apenas um à parte). Ao
desmanchar-se, a União Soviética contava com 20 milhões de estudantes
universitários. O Brasil ainda está a caminho dos 5 milhões. Cerca de 30 por
cento do impressionante aglomerado humano indiano se constitui de uma notável
elite, produtora de avançados conhecimentos nos setores científicos,
tecnológicos, econômicos e administrativos. A pergunta crucial caberá sempre:
que liberdade pode ter um povo ignorante?
3 - Mas ignorância tem
números. Temos 4 milhões de universitários, mas a metade dos jovens brasileiros
não completa o nível médio. Como explicar essa divisão?
Tenho grande preferência
pelos diagramas comparativos, nas artes, nas ciências, no ensino e na história.
Ao contrário do que pensam os compartimentados, a globalização é o grande
fenômeno das duas últimas décadas. Dizem alguns estudiosos que o fantástico
século XX, ao qual pertenço, foi um século fantasticamente curto. E é verdade.
O século XIX terminou junto com a Belle Époque, em 1914, com a Primeira Guerra
Mundial, quando começou o XX, que terminou com o desmantelamentos da União
Soviética e a vitória das democracias ocidentais, ou seja, em 1989, quando
começou este nosso século e a globalização. Os ingleses, com Margareth Thatcher
à frente, foram os primeiros a perceber as grandes mudanças que seriam
provocadas pelo fim das propostas comunistas. E o Brasil, com o Plano Real, foi
o primeiro a segui-la, preparando a plataforma do take-off. Divisões? Sim,
grandes divisões. Comparemos, de novo, Brasil e Índia. Há algo parecido. No
Brasil coincidem elite avançada e divisão territorial. Temos aqui algo como um
paralelo das Tordesilhas, que é o paralelo 20-Sul, que passa por Belo
Horizonte. Esse pedaço representa, estimativamente, 1/5 do território nacional,
mas ¾ de toda a sua produção material e intelectual . A mania
brasileira de falar pejorativamente de “elites”, herança ignorante de um
marxismo de carregação, abre a grande franja do lumpenproletaruat, cujo
sentido e conduta contamina tanto o proletariado como a classe média e até as
elites sócio-econômicas. En passant, uma observação: uma das características de
Curitiba e do Paraná é a reduzida presença do lumpen no tecido social, fortemente marcado por
uma resistente classe média conservadora. Outra linha divisória, esta na área
do ensino universitário, ainda hoje segue a classificação do conhecimento
positivista de Augusto Comte: para cima, as biomédicas e exatas; para baixo, as
humanas: no meio, a área cinzenta entre uma e outra, as disciplinas e cursos
mais ou menos: psicologia, arquitetura, filosofia etc. Economia, por
competência e desempenho, saiu do limbo e mereceu um upgrade. É nesse
lusco-fusco que foi encaixada a área de comunicação. Uma divisão conflituada é
a do ensino público e privado. O conflito vai continuar por mais duas décadas,
talvez até que a nova expansão, explosiva, do ensino universitário, exigirá um
ordenamento e um acordo.
4 - A Tuiuti comemora
seus 50 anos em 2008 e o Mestrado em Comunicação e Linguagens recebeu a Nota 4
da CAPES, o que permite apresentar um projeto de Doutorado. O que isto
significa para o Paraná e para o nosso sistema educacional?
Estou completando nove anos
de Curitiba e de Tuiuti, e estou espantado com a dinâmica de crescimento tanto
de uma como de outra. A cidade caipira que eu conheci há quarenta anos hoje é a
metrópole-capital mais bem ordenada do Brasil. Comecei dando aula no Campus
Champagnat, hoje estou no Campus Barigui, que não para de se expandir. E acho
que a Tuiuti ainda está na adolescência: em vinte anos, não só estará dobrando
de tamanho físico e educacional, como já estará implantando um projeto amplo de
aprofundamento da qualidade de ensino que há de ser referência não só no
Paraná, como no sul do país e em âmbito nacional. Nisso, acompanhará o
surpreendente ímpeto do crescimento do ensino universitário brasileiro, que vai
beirar os dez milhões de estudante ao fim do período acima mencionado. Não é
apenas uma questão de desejo, mas, sobretudo, de necessidade.
5 - Mas, pessoalmente, o
Sr. não tem um sonho que gostaria de ver realizado, enquanto pedagogo e
pensador de sistemas e processos de ensino?
Tenho, sim. Para que não
seja utópico, restrinjo-me ao nível de pós-graduação em duas áreas: Comunicação
e Letras. Trata-se de uma indagação que deve acarretar uma hipótese de trabalho
que redunde numa tese aplicável. Pergunta: é possível formular-se um Projeto de
Sistema de Níveis de Excelência na área de Humanas, em geral, e nas de
Comunicação e Letras, especificamente, a exemplo do que já existe no setor de
Biomédicas e Exatas? Trata-se de um problema que pode gerar muitos e variados
problemas interessantes, antes que se vislumbrem possibilidades reais e
criativas. Mas é uma tarefa para as novas gerações que possam interessar-se
pelo tema. Algumas idéias começaram a borbulhar. Uma ideologia diretora: a
comparação e o cotejo. Por exemplo: não estudar literatura brasileira sem
cotejo com outras literaturas, no tempo e no espaço; juízos de valor não devem
ser evitados, mas os critérios devem ser explicitados; evitem-se os
“absolutismos patrióticos”. Não se trata apenas de literatura comparada: entram
em jogo, também, as artes comparadas: artes visuais, cinema, música,
arquitetura. O contexto diacrônico sócio-histórico cultural deve prevalecer
sobre psicologismo. Mas sincronia comparativa, sempre. Uma constante: a
qualidade do signo literário. O signo literário e a iconicidade, na poesia e na
prosa. A literatura como pensamento: o símbolo literário na literatura e na
poesia. Exemplos, comparações, análises. (Transpor esses dados para a área da
comunicação). Em outro registro: domínio redacional do português e, idealmente,
conhecimento de três idiomas estrangeiros, predominando a idéia de leitura
sobre a fala: inglês, francês, espanhol. Obrigatório: inglês. Seminários com
temas e subtemas, para grupos de pesquisa, exposição e discussão. Ainda para
avaliação: miniensaios individuais sobre temas derivados dos seminários, com
prevalência do cotejo e da comparação. Também em registro contínuo: literatura
e artes, em relação e cotejo: interfaces artístico-literárias. Mas é possível,
a meio caminho, separar classes avançadas e não avançadas ou já em provas de
seleção.
6 - No ano passado, a
Poesia Concreta completou 50 anos. Qual a sua influência na literatura
brasileira?
Não me proponho tal tarefa:
o tempo se encarregará de fazê-lo. A poesia concreta foi o primeiro movimento
cultural brasileiro de repercussão e influências internacionais. Em 1964, o Times
Literary Suplement de Londres,
dedicou dois números à expansão mundial da Poesia Concreta. No Brasil, porém, a
Poesia Concreta teve um destino parecido com a Semana de Arte Moderna, de São
Paulo. Em 2012, a
Semana vai fazer 90 anos, mas não faltaram, não faltam e não faltarão, dentro e
fora da academia, aqueles espíritos já preparados para a patriótica missão de
negar a sua importância, já que não podem negar a sua experiência. Vamos a uma
comparação. Nos Estados Unidos, ao menos desde o término da Segunda Guerra
Mundial, ninguém culturalmente empenhado no Alasca, em Porto Rico, Havaí,
Califórnia ou Idaho tem dúvidas da importância do Armory Show, realizado em
Nova York, em 1912, que abriu o portal do Modernismo no país. Mas o país
emergente chamado Brasil só vai emergir culturalmente na segunda metade do
século. Mas neste século, observa-se a presença crescente da poesia concreta
nos níveis médio e superior das instituições privadas. Na escola pública, a
resistência ainda é acentuada.
7 - Porque a exposição
pessoal incomoda tanto? Não acha que a sua colaboração pessoal poderia ser
ainda maior se as pessoas, hoje, pudessem ouvi-lo mais?
Sim, preocupo-me bastante
com o estado das minhas cordas ou pregas vocais, física e metaforicamente,
considerada a minha tendência professoral a falar demais. Contém-se e
contenta-se o falante com ser breve e preciso, pelo que não abusa do tema
falado e beneficia o ouvinte, que assim fica duplamente protegido das chatices.
Ao longo de sessenta anos, são incontáveis os meus cursos, conferência e
entrevistas sobre poesia e literatura, artes, cinema, semiótica, teoria da
informação, design e meios de comunicação sem falar nas matérias de articulista
e colaborador de jornais e nas dezesseis ou dezessete obras publicadas. Mas
confesso que a minha ojeriza a entrevistas só tem azedado. Comparação:Nos
países culturalmente organizados, o que inclui muitos países do segundo mundo
e, mesmo, emergentes (Argentina, Chile), é, mais do que reprovável, inconcebível,
que um entrevistado desconheça conheça pela rama, a obra entrevistada exclua-se
até o caso extremo dos Estados Unidos, onde a aversão por entrevistas é tal que
as personalidades, grandes e médias, já estão cobrando por entrevistas.
Dizia-me Quentin Fiori, designer gráfico de várias obras de Marshall McLuhan,
numa happy hour no Bar Algonquin, de Nova York, local tradicional de atores,
artistas e escritores, que conceder entrevista era o mesmo que fazer o trabalho
do jornalista. Pois tal situação é a norma no Brasil. Mesmo quando uma razoável
copidescagem resulte das anotações e gravações do entrevistador, o resultado é
um emaranhado sem destino, entre o coloquial e o intelectual, onde se entrevê,
ás vezes, o ectoplasma de uma idéia. Junto com outras, não acho graça nessa
variedade de “jeitinho brasileiro”. Sei que ela faz parte dos nossos usos e
costumes eternamente emergentes, mas não me proponho incentivá-las.
8 - Incomoda-o a
história de como se fez aquela capa do elepê de Tom Zé, Todos os olhos, que se tornou uma das mais comentadas, divulgadas
e premiadas da MPB?
Ao contrário, agrada-me
muito, embora “A glória que vem tarde já vem fria”, como disse o grande Gonzaga
de Dirceu, que alguns nacionalistas de carreira querem expelir da literatura brasileira. Grande e merecido
sucesso envolveu os chamados baianos, embora as capas de seus discos fossem um
tanto diletantes. As gravadoras sempre investiram muito pouco nisso. Menos
ainda nesse caso do Tom. Mas eu e minha mini-equipe, do estúdio agência “E=MC²”
(sem falar na modelo), fizemos a obra com gosto, alegria e a preço de custo,
nos subterrâneos da liberdade. Trinta anos depois -- uma geração! O tempo
justiceiro ressuscitou e consagrou a mensagem secreta da capa, graças a Tom Zé
e a David Byrne, que o resgatou e cujo grupo rachou o bico quando o Tom lhes
contou a história. E mais uma fieire de gargalhadas acompanhou a informação,
ante um comentário de Tom Zé, naquele arzinho pseudo-cândido: “Como se fosse
preciso uma modelo para uma coisa dessas...”.
Décio Pignatari
Curitiba, março de 2008.
Aniversário do Décio no Pata Negra da esquerda para a
direita: Ivens Fontoura, Denize Araujo, Carlos Lobo, Hamilton Lobo, Denise
Guimarães, Décio, Luiz Antonio Salgado e Roty Turin
Décio no Bar do Alemão com Fernando Andacht, Diana
Domingues, Denize Araujo e Alberto Klein
Décio com Coppola e
Denize Araujo na Pós em Cinema 2003
da
assessoria de imprensa da UTP
|
Décio na UTP com Cristiane Wosniak, Márcia, Haydée Guibor
e Re-nato Bertão
Recebi a notícia do falecimento de Décio Pignatari no mesmo momento em que fazia a prova escrita para ingresso no Programa de Doutorado em Comunicação e Linguagens da Universidade Tuiuti do Paraná. O mesmo programa onde tive o privilégio e o prazer de ser mais do que meramente sua aluna, nas inesquecíveis aulas de Teoria da Comunicação, mas acima de tudo de ter sido ‘escolhida’ por ele, para ser sua orientanda, no período entre 2004-06... “Minha bailarina”... Era assim que este admirável ‘monstro temido pelos alunos do Programa’ referia-se a mim. Em nossos encontros quinzenais, a ‘orientação’ a respeito da dissertação de Mestrado era apenas um de nossos focos: conversa sobre arte – isso sim, era o essencial. Décio não me deixava acomodar... Assistia a meus espetáculos de dança, criados para a Téssera Companhia de Dança da Universidade Federal do Paraná – grupo pelo qual nutria um carinho especial – com o olhar do espectador, mas também como crítico apurado. Fazia-me observações importantes, contava seus ‘causos’, suas viagens, suas experiências com celebridades do mundo das artes, do cinema e sobretudo da dança e ríamos, mas ríamos muito ao comparar gostos, crenças e filosofias, aliás, quase sempre opostas entre eu e este grande mestre... Um belo dia ele me desafiou: colocar a poesia concreta na concretude ou abstração do corpo em movimento dançante... Fiquei devendo esta obra coreográfica enquanto ele era ainda vivo... Compromisso assumido que se torna realidade e transforma-se, nesta ocasião, em uma singela, bem humorada e NADA concreta homenagem ao meu querido Décio Pignatari. Lembro ainda, que por suas mãos fui conduzida ao ‘reino da semiótica e ao soberano Charles Sanders Peirce’, de quem ainda hoje, continuo parceira fiel. Parece-me, entretanto, que o que mais fica impresso na mente e provoca saudades ao lembrar de meu mestre é o ‘peixe vivo’ - canção que costumávamos entoar performaticamente, ao término de alguns dos mais excelentes jantares em alguns dos mais badalados restaurantes curitibanos, sempre escolhidos ‘a dedo’ pelo petit comitê que tinha o privilégio de estar com ele nas celebrações de seus animados aniversários.
Promessa é dívida, Décio!
Eis meu espetáculo/homenagem a você em que o ‘peixe vivo’ não poderia, é claro, ficar de fora!
Saudades!
Cristiane Wosniak (novembro de 2014)
limoNADAHOMENAGEM
Recebi a notícia do falecimento de Décio Pignatari no mesmo momento em que fazia a prova escrita para ingresso no Programa de Doutorado em Comunicação e Linguagens da Universidade Tuiuti do Paraná. O mesmo programa onde tive o privilégio e o prazer de ser mais do que meramente sua aluna, nas inesquecíveis aulas de Teoria da Comunicação, mas acima de tudo de ter sido ‘escolhida’ por ele, para ser sua orientanda, no período entre 2004-06... “Minha bailarina”... Era assim que este admirável ‘monstro temido pelos alunos do Programa’ referia-se a mim. Em nossos encontros quinzenais, a ‘orientação’ a respeito da dissertação de Mestrado era apenas um de nossos focos: conversa sobre arte – isso sim, era o essencial. Décio não me deixava acomodar... Assistia a meus espetáculos de dança, criados para a Téssera Companhia de Dança da Universidade Federal do Paraná – grupo pelo qual nutria um carinho especial – com o olhar do espectador, mas também como crítico apurado. Fazia-me observações importantes, contava seus ‘causos’, suas viagens, suas experiências com celebridades do mundo das artes, do cinema e sobretudo da dança e ríamos, mas ríamos muito ao comparar gostos, crenças e filosofias, aliás, quase sempre opostas entre eu e este grande mestre... Um belo dia ele me desafiou: colocar a poesia concreta na concretude ou abstração do corpo em movimento dançante... Fiquei devendo esta obra coreográfica enquanto ele era ainda vivo... Compromisso assumido que se torna realidade e transforma-se, nesta ocasião, em uma singela, bem humorada e NADA concreta homenagem ao meu querido Décio Pignatari. Lembro ainda, que por suas mãos fui conduzida ao ‘reino da semiótica e ao soberano Charles Sanders Peirce’, de quem ainda hoje, continuo parceira fiel. Parece-me, entretanto, que o que mais fica impresso na mente e provoca saudades ao lembrar de meu mestre é o ‘peixe vivo’ - canção que costumávamos entoar performaticamente, ao término de alguns dos mais excelentes jantares em alguns dos mais badalados restaurantes curitibanos, sempre escolhidos ‘a dedo’ pelo petit comitê que tinha o privilégio de estar com ele nas celebrações de seus animados aniversários.
Promessa é dívida, Décio!
Eis meu espetáculo/homenagem a você em que o ‘peixe vivo’ não poderia, é claro, ficar de fora!
Saudades!
Cristiane Wosniak (novembro de 2014)
limoNADA
NADA CONCRETA
Tarefa difícil! Tornar concreto o pensamento dançante que (per)forma a forma. Como unir alguns poemas concretos de Pignatari que me instigam e fazer uma homenagem dançante ao poeta? Qual seria o fio da meada; o elo de ligação entre a palavra e o gesto? A resposta me veio por meio de uma pergunta... Caminho (in)verso, claro... Bili com limão verde na mão – obra inovadora e experimental de Pignatari publicada em 2009 – é um atravessamento de poesia concreta com prosa poética e tem na personagem de uma ‘adolescente/Bili’ um questionamento a que estamos sujeitos todos os dias e em todas as idades: por tudo aquilo que eu sei e que não sei, por que minha vida não está legal?
A partir desta pergunta, Bili parte em uma jornada a fim de encontrar possíveis respostas. Pelo caminho vai se deparando com diversos personagens/seres bizarros e (in)verossímeis, que agregam à sua busca, outras perguntas e novas descobertas. A partir de uma releitura, acredito que Bili possa se (re)vestir de uma provável Alice ou Dorothy contemporâneas. Nesta busca surreal também insiro alguns poemas soltos de Pignatari e outros poetas concretistas, que ‘conversam’ com a personagem. A Bili, roteirizada pela Téssera Companhia de Dança – não faço uma adaptação literal do livro de Pignatari, mas crio uma poética livre e particularizada – parte nesta jornada dançante ao lado de seu companheiro, o limão poeta.
De forma simbólica ou metafórica (não literal) os seres humanos, os animais e os objetos inanimados nas cenas, tomam vida e se tornam palavras/respostas sob o movimento coreográfico. Palavra inventada, combinada, MIXturada. Movimento inusitado, estranho, MIXturado.
Cada cena revela uma possível versão (encenada pelos personagens encontrados na trilha de descobertas e achados) para explicar ou dar uma resposta para Bili. Cada personagem também está a procura de algo...
A estrutura coreográfica é fragmentada, como os devaneios, os sonhos, os encontros totalmente non sense, sem uma lógica narrativa aparente.
A DANÇA não pretende, em momento algum, recontar ou dramatizar em movimento dançante a estória/aventura de Bili e nem elucidar a sua questão... A sua pergunta inicial é só um mote para a sua aventura em procurar as possíveis respostas (ou encontrar mais perguntas)...
Assim, a bailarina e o poeta percorrem o caminho gerado pela pergunta inicial e produzem coreograficamente uma limoNADA NADA CONCRETA!
NADA CONCRETA